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Morei e trabalhei
toda a minha vida na cidade.
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O que, vendo bem, é um problema,
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pois sinto-me sempre mal
ao pé de multidões.
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A sério. Os espaços fechados
aterrorizam-me.
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Tudo me faz sentir enclausurado.
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Passo o tempo a dizer
a mim próprio
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que, algures,
deve haver algo de melhor.
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Mas talvez eu pense demasiado.
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Deve advir de ter tido
uma infância ultra-ansiosa.
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Sabe, a minha mãe
nunca me deu atenção.
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Quando somos o filho do meio
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numa família de 5 milhões
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ninguém nos liga nenhuma.
Nem outra coisa seria de esperar.
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Sempre padeci de traumas
resultantes deste abandono.
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O meu pai era basicamente
um zangão, como já disse.
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O gajo deu à asa quando
eu era ainda uma larva.
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E nem me faça falar
do meu emprego,
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porque não há nada
que me irrite mais.
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Desde já lhe digo
que não nasci para operário.
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Sinto-me fisicamente inadequado.
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Nunca na vida consegui levantar
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mais do que 10 vezes
o meu próprio peso.
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E, na realidade, transportar terra
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não é bem aquilo a que eu
chamaria uma carreira gratificante.
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É toda esta tara pseudo-viril
de que somos um super-organismo